quarta-feira, 24 de dezembro de 2014




Recife, 23 de dezembro de 2014
Um dia, em maio de 2002, chegou em nossa casa, trazida por minha filha, uma menina galega, bem pequenininha e abandonada. De imediato dei-lhe o nome de LINDA SALGUEIRO e, uma vez que era sujinha e fedorenta, recebeu o carinhoso apelido de FEFÉ. Tornou-se a mais querida da casa pois fazia questão de falar com cada um de nós, sabendo como conquistar. Trelosa como toda criança, mordia sapatos, rasgava jornais e revistas e achava tudo isso muito natural, como se suas “artes” tivessem a intenção dos nos fazer rir. Um dia resolveu mexer numa teia de aranha no fundo do quintal e voltou pra casa apavorada, toda inchada, enorme como se fosse um Bulldog e o médico constatou reação alérgica a aranha e alguns insetos. Foi então medicada e voltou ao normal apesar de nos ter preocupado bastante. Cresceu (não muito) e aprendeu a fazer gracinhas como dar a mão para cumprimentar, cobrir os olhinhos com as patinhas quando fazia besteira e “ficava com vergonha”, ficar em pé em duas patas e andar como pinguim. Sempre foi o encanto da casa. No primeiro CIO, que durou 10 dias, tivemos todo cuidado que temos com a menarca das meninas. Seis meses depois veio o segundo CIO e ela apaixonou-se pelo maior cachorro que temos – um pastor alemão capa preta, imenso. Procuramos por ela e a encontramos, feliz da vida, em pleno ato de amor com o grandão. O instinto falou mais alto. E olhe que temos mais três machos de raças diferentes e menores... Mas ela só quis ele. Daquele ato Fefé foi fecundada e gerou oito filhotinhos. Sempre com saúde, sua gestação transcorreu na maior tranquilidade. Até que na data certa, como esperávamos, ela entrou em trabalho de parto. Escolheu , para a apoteose do seu amor, o quarto de minha filha e o nascimento do primeiro filhotinho demorou aproximadamente três horas, com bastante sofrimento. Terminamos, eu e minha filha, colocando luvas e ajudando-a no parto. Os outros sete foram nascendo naturalmente com intervalos de mais ou menos meia hora entre eles. Ela saiu-se bem como mãe mas continuou sendo a nossa menina. Continuamos mantendo sua ficha de vacinas sempre atualizada, sua alimentação correta e variada e ela foi envelhecendo naturalmente. A cada cio tínhamos o cuidado de evitar o contato com os machos para que ela não sofresse como da primeira vez. De alguns meses para cá ela começou a ficar barrigudinha e pensávamos que ela estava comendo além da conta. Até que ela começou a apresentar fastio e apatia, ficando cada dia mais desinteressada de tudo, parou de brincar e passava os dias deitada numa cadeira. De vez em quando ao acordarmos encontrávamos o chão molhado como se ela estivesse com incontinência urinária. Continuamos acreditando tratar-se dos achaques próprios da velhice e redobramos os carinhos com ela. Até que um dia percebemos que aquela urina era mais densa, mal cheirosa e escura. Aqueles dias quase sem comer fizeram com que ela perdesse as forças e os músculos. Então levamos ao veterinário que imediatamente diagnosticou PIOMETRA, ou seja, infecção no útero. Disse que essa doença acomete gatas e cadelas idosas que não foram castradas quando jovens. Autorizamos a cirurgia, com o coração na mão, uma vez que o médico disse que era de 5% a 10% a probabilidade do sucesso dessa cirurgia, devido à idade dela e à gravidade da situação. A cirurgia foi bem sucedida e ela teve alta médica. Chegando em casa, passou a noite inteira vomitando sem melhora e na manhã seguinte voltamos ao médico. Ele aplicou um antihemético injetável subcutaneamente e, ao chegar em casa, ela voltou a vomitar. Resolvemos então levá-la a uma clínica de urgência, onde a deixamos internada. Foi terrível passar a noite sem saber como estava ela que nunca havia se separado de nós. No dia seguinte o médico nos mostrou os exames de sangue que havia feito. O máximo de leucócitos que um cão pode ter é 16.000 e ela estava com 82.000 o que indicava gravíssima infecção, além de pouquíssimas hemácias o que indicava anemia profunda. A ureia e a creatinina estavam muito altas o que indicava início de falência dos rins. Ele disse que ia continuar a antibioticoterapia, além de antiinflamatórios e vitaminas. Ela melhorou bastante e ontem (22/12), ao fazermos a visita diária, ela nos recebeu alegrinha com as orelhinhas mexendo (quem tem cachorro sabe como é), o rabinho abanando e nos deu as mãozinhas para cumprimentar. Passeamos com ela (segurando o soro) pela área externa e ela fez uma imensa poça de xixi. Para nós, e também para o médico, ela estava reagindo bem e os rins estavam melhorando. Pensávamos que hoje ela teria alta. Porém, ao chegarmos, o médico nos levou para o consultório e mostrou os resultados dos exames que foram repetidos e que demonstravam uma piora muito grande e que o dano observado nos rins já era irreversível. Conversou por quase meia hora conosco, mostrando detalhadamente cada exame feito e finalizou dizendo que considerava como única solução para tanto sofrimento nosso e de Fefé que fosse feita a eutanásia. Deixou a decisão nas nossas mãos, informando que pela persistência dela ela pode durar até 30 dias mas que ela está sofrendo e que o quadro é irreversível. Ela sofre com náuseas, dificuldade respiratória, dificuldade de locomoção, utilização do soro dia e noite, mas que não está sentindo dor. Mas, segundo ele, é muito sofrimento e a gente está gastando muito. Ele disse que não se sente bem vendo o bichinho sofrer, os donos dele sofrerem e ele ter que cobrar pelo tratamento sabendo que é apenas um prolongamento da vida (sem qualidade) e que não vai haver cura. Amanhã temos que dar a ele o resultado da nossa decisão. Precisamos pensar bastante pois hoje já percebemos que ela voltou à apatia e que a respiração está cada vez mais difícil. Não sei se minha bichinha merece tão grande sofrimento. Aliás, sei sim, ELA NÃO MERECE ISSO!
Hoje, 24/12/2014, tomamos a dolorosa decisão de autorizar a eutanásia e fomos vê-la pela última vez. Já não é mais a nossa Linda. Magrinha, só ossos e pele, sem enxergar, sem forças para levantar nem latir. Ao ouvir minha voz ela tentou me dizer alguma coisa (acho que queria pedir desculpas pelo sofrimento que nos causava com o sofrimento dela e que, ao mesmo tempo, concordava com a abreviação dessa situação) mas a voz, quase inaudível, não saiu. Com o coração apertado e os olhos em lágrimas saímos com a dolorosa e terrível certeza de que fizemos o que era melhor para ela e que ela entendeu que isso foi nosso último ato de amor por ela, que começou num distante dia do mês de maio de 2002.